A CULTURA CONCEITUADA EM DECASSÍLABO
Trata-se de poema pautado em 12 estrofes de versos decassílabos, obedecendo a deixa. Diz-se decassílabo porque cada verso contém dez sílabas poéticas, e obedece a deixa porque o primeiro verso de cada estrofe começa rimando com a última palavra do derradeiro verso da estrofe anterior. A deixa foi criada pelo poeta paraibano, da Serra do Teixeira, Silvino Pirauá Lima.
A cultura é um lance da pujança
que se soma de um povo para um povo,
é essência que sai de um mundo novo
integrando o vigor da esperança,
tem a seiva do caule da bonança
que a raiz principal do tempo apura,
interage o astral da criatura
quando a prática do dom é ostensiva
não conheço nação que sobreviva
se seu povo negar sua cultura.
A viola, o reisado, a escultura,
o repente, o aboio, a vaquejada,
carnaval, futebol e caipirada,
embolada, cordel, xilogravura,
tudo isto é o forte de quem jura
e acredita no estro do destino,
dança e música são sangue do ensino,
agitado a vapor do instrumento,
que se injeta nas veias do sustento
da cultura do povo nordestino.
Como simples poeta, assim defino:
A cultura é hábito, aptidões,
que o homem através das gerações
acumula em função do próprio tino,
no decurso do tempo paulatino
desse dom só o homem é portador,
criador, detentor e transmissor,
que entrelaça os demais nesse complexo,
como forma de unir num só reflexo,
as memórias voláteis de um valor.
O recém ao nascer é sucessor
de uma gama pesada de influência,
no dormir, no vestir, na convivência,
vai unindo o costume, a seu rigor,
quanto mais se integra, ganha cor
do espaço da órbita ambiental,
adquire o seu hábito social,
com padrões que aspiram o dom da lógica,
não é esta a herança biológica,
porém, sim, uma dádiva cultural.
Mas o homem por ser racional
se dispõe ampliar seu horizontes
e adquire através de novas fontes
mais costume e mais crença artesanal;
sem perder a herança natural
vai mudando o padrão cotidiano,
convertendo seu sonho em novo plano
e os que ganham também são doadores,
é a troca completa de valores
na mistura geral do ser humano.
No Brasil, nosso povo tem seu pano
retalhado em mistura de três raças,
pelo índio, autor da pesca e caças,
pelo branco europeu-italiano,
e a presença do negro africano
nos primórdios da colonização
que com luta braçal fez nosso chão
expandir o setor canavieiro,
os três juntos tornaram o brasileiro
um produto da miscigenação.
A cultura possui forma e função
que se adaptam aos grupos que se inovam,
conservando elementos que aprovam
para a vida a simbólica construção,
ajustando o papel do cidadão
aos valores centrais da existência,
definindo por sua consciência
que a ciência decorre da cultura,
e o que for para o homem a gente jura
ser pedaço vital dessa ciência.
Há quem queira expandir inteligência
e no seu ponto de vista separar
a cultura erudita e popular,
porém isto não gera consistência,
ambas, juntas, imperam resistência
e se consomem no palco de emoção,
o que há é a pluralização
entre o verso, o discurso e o forró
afinal, a cultura é uma só
e não permite fazer separação.
É o bumba-meu-boi no Maranhão,
o calango no Rio de Janeiro,
capoeira está mais no chão mineiro,
cururu no São Paulo é tradição,
frevo é dança de rua e de salão
e o maracatu é pernambucano,
o maxixe é o tango alagoano,
São Gonçalo tem vez no Ceará,
cada dança é cultura quando está
melhorando o astral do ser humano.
O provérbio e ditado luterano
servem até de conselho para o povo,
frase feita traduz um mundo novo,
adivinho deseja ser profano;
o folclore discreto e puritano
tange as lendas que chegam ao Ceará,
Curupira, Caipora, Boitatá,
Pererê, Pastoreio e Bruxa Viva
certamente inspiraram Patativa
quando fez Vaca Estrela e Boi Fubá.
É por isto que hoje aqui se está
dando espaço aos artistas do país,
não precisa de vários Cariris
nem pensar em ter mais de um Ceará,
para que a sanfona e o ganzá
voltem a ter sua antiga intimidade,
e a rabeca chorosa deixe a grade
para vir se casar com o violão,
e o antigo profeta do sertão
renovar seu cartão de identidade.
Vamos ter sem rigor de vaidade
difusão da cultura universal,
formação de platéia regional
sem perder da ciência a qualidade,
livro e arte em beleza e quantidade
que atendem ao querer do brasileiro,
cinco andares na terra do romeiro,
um espaço saudável e atraente,
todo dia uma agenda diferente
para o público que ama Juazeiro.
Nas saudades de Jackson do Pandeiro,
nos estilos deixados por Gonzaga,
a guitarra importada não apaga
o aboio estridente do vaqueiro;
no cantar do poeta violeiro
a poesia mantém sua bandeira;
na toada dos bilros da rendeira,
nos verbetes poéticos de Gilberto,
o Nordeste tem tudo pra dar certo
na missão da cultura brasileira.
Pedro Ernesto Filho
Enviado por Pedro Ernesto Filho em 26/07/2008
Alterado em 20/02/2010