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                     AQUI ESTÁ UM POUQUINHO 
            DO POETA DE VOCÊS.



                      Com este trabalho, o autor busca mostrar como acontece uma cantoria no sertão.Começa em sextilhas, demonstrando as expectativas de festas da espécie, e termina por pedir aos contadores um mote em sete sílabas, fazendo uma referência ao comportamento da platéia. O conteúdo do mote é um retrato fiel da estrutura psicológica de um poeta popular. 


Eu sempre gostei das farras
lá da minha freguesia,
em torno de cinco léguas
a toda festança eu ia,
porém dava mais valor
às festas de cantoria.

Sabendo que um certo dia
na casa de Damião
uma dupla de poetas
de renome no sertão
complementava a festinha
de sua Renovação.

Pus a sela no alazão,
vesti meu terno de linho,
lá da ponta da calçada
gritei chamando o vizinho,
pois era noite de escuro,
não quis viajar sozinho.

Foi depressa que o vizinho
riscou sua montaria,
saímos quase às seis horas
quando já morria o dia,
ansiosos pra chegarmos
na casa da cantoria.

Apesar da hora fria
eu já estava cansado,
chegamos às nove e meia,
o povo tinha rezado
e a festa de cantoria
já havia começado.

Damião muito apressado
nos recebeu no terreiro,
amarrou nossos cavalos
numa estaca de pereiro
e nos chamou para ouvir
toadas de violeiro.

A bandeja com dinheiro,
muito aplauso no salão,
uns pediam gemedeira,
outros, poema e canção,
não faltava quem pedisse
agalopado e mourão.

Depois cantaram quadrão
e um martelo malcriado;
um dos poetas parou
e com o seu pinho emborcado
pediu que a platéia desse
um mote metrificado.

Eu fiquei emocionado
com o gesto que ele fez,
depressa arranjei palavras
sem pensar mais de uma vez,
ajeitei meu colarinho:
AQUI ESTÁ UM POUQUINHO
DO POETA DE VOCÊS.

Percebi que o povo fez
um gesto bom para mim,
dizendo o mote tem métrica
e a rima não é ruim,
e a dupla de cantador
começou fazendo assim:


Simples como o sertanejo
que mora em cima da serra
e vive explorando a terra
sem façanha e sem gracejo,
e que admira o manejo
de uma estrofe feita em seis
que faz lembrar Milanês,
Daniel e Canhotinho
- Aqui está um pouquinho
do poeta de vocês.

Que marca sua presença
em festa de cantoria,
que conhece e prestigia
tradição, costume e crença,
que faz verso, escreve e pensa,
em tudo que Jesus fez,
que visita todo mês
a cova do "Meu Padrinho"
- Aqui está um pouquinho
do poeta de vocês.

Que se senta a uma mesa
e em estilo nobre e breve
sem pensar, ligeiro escreve
seus poemas de tristeza,
agradece à natureza
o presente que lhe fez,
dela se tornou freguês
e dono do seu carinho
- Aqui está um pouquinho
do poeta de vocês.

Que aos domingos se apronta
com terno de linho grosso,
põe um terço no pescoço
pra rezar de ponta a ponta,
em noite de lua conta
estória de camponês,
depois bota o piscinês
para enxergar de pertinho
- Aqui está um pouquinho
do poeta de vocês.

Vive da luta roceira
e acredita na fartura,
nunca tirou da cintura
sua faca jardineira;
e quando é dia de feira
gasta o que ganhou no mês,
e das compras que ele fez
ficou devendo um restinho
- Aqui está um pouquinho
do poeta de vocês.

Conhece toda madeira:
cedro, angico e mororó,
umburana e pau-mocó,
carnaúba e aroeira;
para encabar roçadeira
frei-jorge vale por três,
maniçoba mata rês,
bom para batente é pinho
- Aqui está um pouquinho
do poeta de vocês.

Aprecia a passarada:
campina, sofreu e gola,
o canário na gaiola
é preso sem fazer nada;
numa solidão danada
vivem os urubus-reis,
a codorniz é pedrês
e se faz morta no ninho
- Aqui está um pouquinho
do poeta de vocês.
Pedro Ernesto Filho
Enviado por Pedro Ernesto Filho em 26/07/2008
Alterado em 20/02/2010


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