ORIGENS DE UM VERSO
Estilo: GALOPE À BEIRA-MAR
O galope à beira-mar é um gênero antigo muito usado nas cantorias de viola. Compõe-se de estrofes de dez versos de onze sílabas, onde o primeiro rima com o quarto e o quinto, o segundo rima com o terceiro, enquanto que o sexto entoa com o sétimo e o décimo ensejando a terminação ar, em harmonia teórica com o oitavo e o nono que livremente rimam entre si. Foi uma criação do poeta e vaqueiro Zé Pretinho, de Morada Nova no estado do Ceará. O galope à beira-mar está submetido à cesura, que é uma incisão entre a sexta e a sétima sílaba de cada verso, o que praticamente o transforma em dois semiversos, de seis e cinco sílabas, respectivamente, chamados hemistíquios. Uma cesura perfeita ocorre com os versos alexandrinos, isto é, aqueles que contêm doze sílabas.
Meu verso é nascido das coisas da serra
do cantar saudoso que tem a acauã
do sol que desponta às seis da manhã
tocando seus raios na face da terra
da barra da noite onde o dia se encerra
das coisas bonitas que tem o luar
da pasta gasosa formada no ar
do amplo crepúsculo, abajur da sereia
das misturas rústicas dos grãos de areia
que fica espalhada na beira do mar.
Meu verso é gerado do grão das escolhas
que o pássaro pequeno acha no terreiro
do verde-amarelo da flor do pereiro
e da chuva que deixa as terras zarolhas
do pé de pau d'arco que derruba as folhas
e no mês de agosto começa a se ornar
das aves noturnas, donas de radar
dos fios que a aranha com cuidado tece
do povo do campo que nada conhece
das coisas bonitas da beira do mar.
Meu verso é formado do gênero da uva
das manchas necróticas das folhas do alface
da massa cinzenta que sobe da face
das terras que sofrem ausência de chuva
do pranto fingido que chora a viúva
ao ver seu marido a morte carregar
e após a algum tempo já pensa em casar
e na missa de ano não está mais de luto
dizendo que luto é coisa de matuto
pois isto acontece na beira do mar.
Meu verso é criado das tardes de sol
da fruta raquítica, redonda e azeda
da carga mal feita caindo em vereda
e do cantar saudoso de um rouxinol
do menino pobre pescando de anzol
puxando perdido sem nada pegar
do pássaro que fica zombando do ar
do grito da fera deitada na furna
da brisa romântica, macia e noturna
gerando ciúme na beira do mar.
Meu verso é tirado do azul do infinito
das tardes cinzentas do tempo de inverno
das nuvens que fazem do espaço um caderno
formando desenho e deixando bonito
do preto da sombra e do susto do grito
da voz da cigarra que vive a cantar
da pobre andorinha que voa sem par
fazendo o roceiro pensar em verão
da descarga elétrica antes do trovão
causando tumulto na beira do mar.
Meu verso é tirado do verde da mata
do céu estrelado, translúcido e sem mancha
do furo profundo onde o peba se arrancha
da água nascente branca como prate
da pedra pequena que bate e não mata
o pássaro que vive no espaço a voar
do cheiro des0flores que há no pomar
do solo argiloso que se torna duro
da queda sem jeito do fruto maduro
que cai mas não vai para beira do mar.
Meu verso é formado do vôo do morcego
das águas correntes da grande enxurrada
e da ovelha velha, magra e tosquiada
que baila na serra chamando o borrego
do pobre campestre sem chance de emprego
e que sua ciência é o campo explorar
do vento afobado que fica a passar
do luxo do rico que o pobre enciúma
da maré raivosa desmanchando espuma
fazendo barulho na beira do mar.
Meu verso é formado da flor do algodão
da canção romântica de um sabiá
do folclore artístico do meu Ceará
da planta xerófila ornando o sertão
das folhas caídas rolando no chão
que vão para o lado que o vento mandar
e do dom da abelha que vive a furtar
para fazer mel a pétala da flor
depois de bem feito dá ao caçador
que fica distante da beira do mar.
Meu verso descreve o valor de uma mina
a velocidade na luz existente
a vida dos índios de antigamente
os fatos reais da História Divina
o grão da semente que nunca germina
talvez por excesso de raio solar
a luz dos planetas que estão a brilhar
e do arco-íris pálido igual um véu
formando bordado no pano do céu
distante ou bem perto da beira do mar.
Meu verso é formado da classe mais nobre
da frase segura concisa e correta
das negras torturas que sofre o poeta
das coisas profundas que a mente descobre
do pão que não sobra na mesa do pobre
e do homem que imita Jesus no altar
da pureza do amor que engrandece o lar
da vida difícil do pobre estudante
que por não ter grana padece distante
sem ver as belezas da beira do mar.
Pedro Ernesto Filho
Enviado por Pedro Ernesto Filho em 18/07/2008
Alterado em 21/02/2010