Textos


              
SE EU NÃO FOSSE ADVOGADO



                  Trata-se de versos em sextilha, com harmonia da deixa, um verdadeiro exemplo de baionada inicial de cantoria. Neste conjunto de estrofes, o autor manifesta sua pretensão pela arte de improvisar e diz o que seria profissionalmente se não tivesse optado pelo exercício da advocacia. 


Se por acaso eu contasse
minha história de menino,
dissesse porque não sou
repentista nordestino,
alguém diria que eu
decidi contra o destino.

O sertão foi meu ensino
de tudo quanto eu queria,
por isso é que aprovo a frase
que Aristóteles previa:
o homem é para o que nasce
mas o meio influencia.

No passado eu não sabia
qual seria meu futuro,
em tudo que eu inclinasse
não me sentia seguro,
igual um cego sem guia
palpando o preto do escuro.

Primeiro enfrentei o duro
da vida de agricultor;
em seguida, balconista,
de livro fui vendedor,
até aí não sabia
da vocação o valor.

Fui técnico, fui locutor,
fui professor bem aceito,
na carreira de bancário
terminei perdendo o jeito,
fui decolar minha arte
na ciência do direito.

Eu não sei se tenho feito
trabalho qualificado,
na tribuna ou na escrita
me sinto realizado,
mas de vez em quando escrevo
um martelo agalopado.

Se eu não fosse advogado
não sei bem o que eu seria,
nem engenheiro nem médico,
nem soldado nem vigia,
talvez encontrasse espaço
no mundo da cantoria.

Se eu vivesse da poesia
era mais um sonhador,
com a viola nas costas
pelo sertão sofredor,
subindo e descendo serra
cantando canções de amor.

Mas se eu fosse um cantador
brilhava nos festivais,
Geraldo tinha cuidado
para manter seu cartaz
e certamente Ivanildo
caprichava ainda mais.

João Amaro e Zé Morais
para angariar mais fama,
todos os dias treinavam
as sextilhas do programa,
Zé Luís mantinha um livro
na cabeceira da cama.

Talvez superasse um drama
que a justiça deprecia,
revelasse o lado bom
dos sonhos da cantoria,
talvez fosse mais feliz
do que já sou hoje em dia.

Com certeza Zé Maria
lutava por mais valores,
Oliveira nem tivesse
a fama que tem em Flores,
Bandeira talvez não fosse
o príncipe dos cantadores.

Acho até que os trovadores
agrupavam um só partido,
formavam um só universo
sem ideal dividido,
e o sucesso dos Nonatos
ficava comprometido.

E o oitavão rebatido
teria divulgação,
cantador não se orgulhava
por ir à televisão,
nem poeta iniciante
sofreria humilhação.

Moacir e Sebastião
não se orgulhavam do brilho,
Daudeth não se gabava
por ser bom no estribilho,
nem Louro Branco seria
campeão do trocadilho.

Jonas Bezerra que é filho
de Chico do Iguatu,
apesar de muito jovem
pesquisaria Xudú,
para extrair seu modelo
dos vates do Pajeú.

Santana do Acaraú
ia se tranqüilizar,
quando Raimundo Nonato
precisasse viajar,
aí, sim, Nonato Costa
teria com quem duplar.

A história de Gaspar
se resgatava também,
Antônio Alves não ria
por tocar viola bem,
nem Sílvio Granjeiro tinha
essa platéia que tem.

Fenelon Dantas também
cantava com mais cuidado,
o poeta Luciano
seria o meu convidado,
cantador sem compromisso
retornaria ao roçado.

Valdir teria bom grado,
Lourenço, mais humildade,
os Pereiras de Umburanas
se uniriam na trindade,
para buscar o sucesso
fora de sua cidade.

Haveria liberdade
sem censura e sem bitola,
cantador de médio porte
se dedicava à escola,
repentista preguiçoso
talvez vendesse a viola.

O poeta Zé Viola
natural do Piauí,
que visita o Ceará
formando platéia aqui,
talvez perdesse o sucesso
que ganhou no Cariri.

Fernandes do Mauriti
repentista e professor,
desprezou o magistério
para ser um cantador,
talvez que se contentasse
somente como escritor.

Ferreira que é bom doutor
mas canta por diversão,
talvez nem isso fizesse
por uma justa razão,
por não encontrar apoio
na segunda profissão.

E Valdomiro Galvão
novo baião aprendia,
e João Furiba que tem
meio século de poesia
com certeza antecipava
sua aposentadoria.

Morada Nova faria
uma homenagem aos Batistas,
o Nordeste ganharia
o Clube dos Repentistas
e a Isto É publicava
histórias de apologistas.

Talvez os clubes paulistas
entoassem nosso hino,
deixassem a arte importada
que é seu estilo grã-fino
para vir beber na fonte
do folclore nordestino.

A viola de Galdino
estaria em um museu,
os jornais teriam dito
que Severino morreu,
e o Prêmio Nobel seria
das canções de Eliseu.

Assim, não sei por que eu
não me tornei menestrel
para duplar com Lisboa,
Francinaldo e Ismael,
mas, vou ver se deixo a marca
nas estampas do cordel.

Talvez cumpra meu papel
quando o Direito eu deixar,
se ainda eu estiver lúcido
vou na viola tocar,
para dizer as rebarbas
que alguém deixou por cantar.

Até poderei narrar
o que não fiz no presente,
sentir o calor do verso
e os turbilhões do repente,
porém, se tudo der certo
serei feliz novamente.

Deus me deu como presente
opções para escolher,
se eu me decidir cantar
não vou mudar nem sofrer
porque só me falta o pinho:
o resto eu já sei fazer.


Pedro Ernesto Filho
Enviado por Pedro Ernesto Filho em 18/07/2008
Alterado em 21/02/2010


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