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                  ISTO É SERTÃO OU NÃO É?

                    
                    
Com estes versos, o autor mais uma vez lembra o sertão. Com rimas ora cruzadas, ora emparelhadas, numa só terminação como se fosse um mote. É uma interrogação, respondendo as afirmativas ditas nos versos anteriores.


Meu verso é bom e se liga
no voar do passarinho,
na passada da formiga
que segue devagarinho,
na brisa tranqüila e mansa,
no vento que sopra e dança
igualmente um vulto em pé,
na chuva que molha a terra,
na neve que cobre a serra
- Isto é sertão ou não é?

Uma casinha mal feita
de palha, barro e madeira
que o dono pra ver se ajeita
faz um quintal na traseira;
na frente falta uma porta,
uma janelinha torta
da qual só quem fez dá fé;
no terreiro, um porco fuça
e um cabrito escaramuça
- Isto é sertão ou não é?

Um galo velho a cantar
como quem conhece a hora,
um cachorro procurar
onde uma raposa mora,
pássaro que faz seu rancho
de folha seca e garrancho
entre os galhos de inharé,
o pulo falso do gato
tentando pegar um rato
- Isto é sertão ou não é?

Uma cabra no chiqueiro
separada do cabrito,
uma roupa de vaqueiro
pendurada no cambito,
uma velhinha caduca
que guarda numa cumbuca
rapadura do café,
uma briga de vizinho
numa beira de caminho
- Isto é sertão ou não é?

Milho entocado em paiol,
feijão guardado em garrafa,
peixe pescado de anzol,
de landuá ou tarrafa,
um velhinho aposentado
que para comprar fiado
chama carnê de carné
e diz para o bodegueiro
quando recebe dinheiro
- Isto é sertão ou não é?

Folha que cai por completo
e o vento soprando, junta;
um caboclo analfabeto
que tudo o que vê pergunta,
o sertanejo inda moço
que faz um cigarro grosso
chamando papel - papé,
um carro puxado a boi
que só vem por onde foi
- Isto é sertão ou não é?

Água que desce no rio
brilhosa igualmente a prata,
vento que sopra macio
acariciando a mata;
a lua, no céu, bem alta;
a chuva que nunca falta
no dia de São José;
certos vestígios da onça
que pisa calada e sonsa
- Isto é sertão ou não é?

Um pássaro que está preso
numa gaiola pequena,
o clarão de um fogo aceso
numa noite de novena,
um homem soltando fogo
para vê-lo subir logo
quebra a flecha bem no pé;
toca fogo, o mesmo sai
sem saber aonde cai
- Isto é sertão ou não é?

A vizinha que descobre
que as outras têm um xodó,
certo sanfoneiro pobre
ressacado de um forró,
o clarão da lua cheia,
o velho que se aperreia
quando lhe falta o rapé,
o rangido da cancela
quando alguém passa por ela
- Isto é sertão ou não é?

Um bangalô todo pronto
com portas pra todo lado,
às cinco horas em ponto
um rádio fica ligado,
através do qual se escuta
a rima bela e matuta
do poeta de Assaré.
Quem do sertão for amigo
diga do jeito que eu digo:
- ISTO É SERTÃO OU NÃO É?

Pedro Ernesto Filho
Enviado por Pedro Ernesto Filho em 17/07/2008
Alterado em 21/02/2010


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