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DUVIDO É VOCÊ ACHAR UMA NOTA DE CINQUENTA

                  Mote escrito quando o autor presenciava um final de feira na cidade do Barro, sua terra natal. Um gari dizia baixinho para o outro: tanto papel e não se acha uma notinha de dinheiro. Foi o bastante para inspirar o mote, que se estendeu pela imaginação dos mais diferentes meios e possíveis acontecimentos.

Quando é no final da feira
o varredor junta o lixo:
alpargata sem rabicho,
borracha de baladeira,
pedaço de pão-carteira,
grade velha lamacenta,
tampa de caixa cinzenta
tudo se pode encontrar
- Duvido é você achar
uma nota de cinqüenta.

Papel de embrulho amassado
caixa de botão vazia,
semente de melancia,
cordão velho esfarrapado,
taco de arame envergado,
embalagem gordurenta,
vaso de guardar pimenta
que ninguém pode tocar
- Duvido é você achar
uma nota de cinqüenta.

Embalagem de palito,
um solado de sapato,
restolho de carbonato,
um papel de pirulito,
um pescoço de apito,
uma sardinha rancenta,
uma meia fedorenta
que até faz nojo pegar
- Duvido é você achar
uma nota de cinqüenta.

Uma ponta de cigarro,
um pedaço de sabão,
um elástico de calção,
tampa amassada de jarro,
um balde sujo de barro,
uma lata barulhenta,
e um bêbado onde se senta
só deixa raiva e azar
- Duvido é você achar
uma nota de cinqüenta.

Cabresto de japonesa,
dobradiça enferrujada,
panela suja quebrada,
um pano velho de mesa;
e para causar surpresa
um cabo de ferramenta,
um menino ainda inventa
de soltar nota e puxar
- Duvido é você achar
uma nota de cinqüenta.

Ainda durante a feira,
acha-se um chapéu de palha,
uma fita, uma medalha,
um pedaço de ponteira,
um bocal de lapiseira
na lixeira se apresenta,
uma lona poeirenta
precisa a gente evitar
- Duvido é você achar
uma nota de cinqüenta.

Se for depois de um forró:
não falta copo quebrado,
caco de vidro amolado,
resto de fumo boró,
na calçada é cuspe só,
que quase ninguém agüenta,
uma velha ciumenta
caçando com quem brigar
- Duvido é você achar
uma nota de cinqüenta.

No recreio de uma escola:
uma caneta se acha,
pode-se encontrar borracha
e uma banda de sacola,
um tubo seco de cola,
uma farda fubazenta,
uma prova fraudulenta
que alguém levou pra pescar
- Duvido é você achar
uma nota de cinqüenta.

Se for durante uma missa:
pode achar terço ou rosário,
uma foto do vigário
e um jornal sobre injustiça,
taco de vela roliça,
um copo de água benta,
ou mesmo uma vestimenta
que o padre deixou no altar
- Duvido é você achar
uma nota de cinqüenta.

No dia de uma eleição:
no chão não falta retrato,
bilhete de candidato
rolando de mão em mão,
de quando em quando, prisão,
não falta gente detenta,
uma réplica violenta
não falta quem queira dar
- Duvido é você achar
uma nota de cinqüenta.

E quando um bingo termina:
no chão, sobrando cautelas,
o povo tropeça nelas,
que chega arranha a botina,
só se vê em cada esquina
um transporte em marcha lenta,
um caminha, outro se senta,
não falta grito no ar
- Duvido é você achar
uma nota de cinqüenta.

Quando termina um leilão:
nas bancas ficam fiapos,
retalhos de guardanapos,
ossos perdidos no chão,
pedaços de papelão,
um litro seco de menta,
a mesa grande e nojenta
melando quem se encostar
- Duvido é você achar
uma nota de cinqüenta.

Descendo numa avenida:
pode até achar um pente,
um pedaço de corrente,
uma passagem vencida,
um tubo de inseticida,
uma tampa rabugenta
ou algo que ornamenta
mas não compensa apanhar
- Duvido é você achar
uma nota de cinqüenta.

Numa noite de São João:
no reflexo da fogueira,
você pode achar roqueira
e tabocas de foguetão,
esqueleto de balão
que em pé não se sustenta,
chuvinha velha areenta
que não presta pra soltar
- Duvido é você achar
uma nota de cinqüenta.

Se for na pista também:
quando chofer se agacha,
se de cinqüenta não acha
imagine uma de cem;
se for na estação de trem
onde o povão mais freqüenta,
pode ter cartaz do penta
para a vidraça enfeitar
- Duvido é você achar
uma nota de cinqüenta.

Se for no aeroporto:
na subida da escada,
não falta gente educada,
luxo, higiene e conforto;
talvez um besouro morto
que cai quando a luz esquenta,
enquanto morre atormenta
quem chega ali pra voar,
- Duvido é você achar
Uma noite de cinqüenta.

E durante um carnaval:
no chão não faltam latinhas,
bandeirolas, figurinhas,
litro de colonial,
briga com policial
algum folião enfrenta,
quando a confusão aumenta
vai preso pra se acalmar
- Duvido é você achar
uma nota de cinqüenta.

Se for numa reunião
em prol da comunidade,
vem um líder da cidade,
vão roceiros do sertão,
falando mal do patrão
um morador se lamenta
e diz que não se aposenta
porque não pode gastar
- Duvido é você achar
uma nota de cinqüenta.



Pedro Ernesto Filho
Enviado por Pedro Ernesto Filho em 11/07/2008
Alterado em 03/03/2012
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