O PEQUENO SERTANEJO
Estrofes em sextilha fazendo alusão ao pequeno agricultor, em face de sua coragem e simplicidade que o norteiam. Como se pode observar, o primeiro, terceiro e quinto versos são livres, enquanto o segundo rima com o quarto e o sexto. Para dar mais espontaneidade ao assunto, o autor não optou pelo uso da deixa, que seria a rima entre o último verso da estrofe anterior com o primeiro da estrofe subseqüente.Vejam também que os versos são todos de sete sílabas, os mais usados na poesia popular.
Pode até ser um costume
para atender um desejo,
ou porque nasci poeta
que narro tudo o que vejo,
principalmente o que envolve
o pequeno sertanejo.
Por toda parte em que eu ando
sempre gosto de narrar
as crendices e os costumes
e a tradição popular,
depois transformo em poesia
para o povo apreciar.
Há certo tempo eu andei
conhecendo o meu sertão,
visitei pessoas pobres
de deserta região,
conversei com um senhor
conhecido por Simão.
Iniciando a conversa
seu Simão permanecia
com medo de responder
aquilo que eu lhe dizia,
mas depois, perdendo o medo,
disse tudo o que queria.
Num papo aberto e sadio
deixei Simão à vontade,
fizemos comparação
do sertão com a cidade,
entre as classes rica e pobre
dentro da sociedade.
Em linguajar sertanejo
papo vai e papo vem,
entre pergunta e resposta
eu me saía muito bem,
senti depois os problemas
que o pobre roceiro tem.
Senti como vive o rico
nas camadas sociais,
como permanece o pobre
no mundo dos animais
e as diferenças dos meios
que os tornam desiguais.
Senti o mundo moderno
desfazendo a tradição,
orgulho, luxo e vaidade
transformando a geração,
mulher decorar novelas
está sendo obrigação.
Hoje em dia, a bicicleta
faz às vezes do cavalo,
uma despedida é tchau,
festa dançante é embalo,
a lambada toma espaço
das danças de São Gonçalo.
Mas eu deixo isso de lado,
falo da vida roceira
do pequeno sertanejo
no seu mundo de canseira
que ainda faz um sorriso
vivendo desta maneira:
Sua festa é pescaria;
seu lazer, uma caçada;
a sua roupa de missa
costuma ser bem guardada
e geralmente é aquela
que é menos remendada.
Seu guarda-roupa é o torno;
sua poltrona, o batente;
sua morada, um casebre
faltando a porta da frente;
sua alegria, um sorriso
do seu caçula inocente.
São suas medidas métricas
légua, palma, vara e braça,
o seu lanche é rapadura;
o seu filtro, uma cabaça,
seu sabonete é sabão
de pinhão, sebo e potassa.
A sua sociedade
é um simples sindicato;
seu cinturão, uma tira;
currolepe, seu sapato;
seu medicamento é chá
de folha e raiz do mato.
O seu tema de palestra
é praga na plantação,
ou a escassez de dinheiro,
inverno, seca e verão,
é estória de Trancoso
sua maior diversão.
Seu transporte é um jumento,
seu telefone, um recado;
seu isqueiro, artifício
feito de chifre enrolado
que quando está em ação
faz fogo pra todo lado.
Seus nomes civilizados
são Chico, Zeca e Luzia,
seu colar é um rosário
com medalha de Maria,
um colchão feito de palha
é sua cama macia.
A toada de vaqueiro
é seu fabuloso hino,
é seu papel higiênico
um pedaço de pau fino;
seu sanitário, uma moita,
e a descarga é um suíno.
Sua leitura, a cartilha;
sua luz, um candeeiro;
seu butano, uma fornalha;
fumaça é seu mosqueteiro,
só um cachorro pé-duro
é seu fiel companheiro.
Seu cinema é o relâmpago;
a discoteca, um trovão,
sua capanga é um saco;
seu lenço, as costas da mão;
seu amigo, um corretor
pra comprar a produção.
Seu cinzeiro é a orelha,
seu alpendre é a latada;
seu despertador, os pássaros
que contam na madrugada;
sua dormida, uma rede
estreita, suja e rasgada.
Seu passatempo, um cigarro;
café forte é seu agrado;
seu guarda-chuva, as palmeiras
dos aceiros do roçado,
o seu relógio é o sol
quando pende para um lado.
Este homem de chapéu
e de alpargatas de pneus
faz do problema incentivo
para os compromissos seus,
porque maior do que tudo
é a fé que tem em DEUS.
Torna-se um visionário
revestido de esperança,
mostra por sua figura
um gesto de confiança
é dá em troca de orgulho
um sorriso de criança.
Pedro Ernesto Filho
Enviado por Pedro Ernesto Filho em 10/07/2008
Alterado em 20/08/2008