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                     AS COISINHAS DO SERTÃO


                      Este poema retrata a conversa firme de um camponês com um homem da cidade. Por tanto se interessar pelas belezas do campo, o homem da rua passou a somente ouvir o que o sertanejo dizia e dava expansão ao assunto sempre interrogando: fale mais das coisinhas do sertão. Pode-se dizer também que se trata de mote de uma linha. 


Eu conversei com um crítico
vivido na capital,
falou do Brasil Político,
do nosso mundo atual
e da indústria nuclear,
quando eu chamei pra falar
de costume e tradição,
ele disse: Isso eu não sei,
e assim eu mencionei
as coisinhas do sertão.

Eu falei sobre a beleza
de um amanhecer dourado,
do lençol da natureza
de manchas padronizado.
Falei da barra vermelha
que parece uma centelha
enfeitando a amplidão,
da nuvem ficando atrás.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Eu falei da lua cheia
silenciosa e redonda
e da neve cor de areia
que desce encobrindo a onda,
da brisa civilizada
que parece uma empregada
varrendo o que há no chão,
hora leva, hora traz.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Eu lhe disse: Isto não é
sertão propriamente dito,
sertão é mesmo um chalé
num pé de serra esquisito,
que seu dono sendo pobre
julga-se feliz e nobre
por existir união
e amor dos filhos aos pais.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Eu falei sobre a caçada
em que o homem corajoso
tocaia de madrugada
andando silencioso;
passa serras, sobe morros,
seus amigos são cachorros,
espingarda e munição;
e seu abrigo, os vegetais.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Eu falei sobre o vaqueiro
e sua fama também,
pois seu perfume é o cheiro
que a ponta da rama tem;
seu transporte é o cavalo;
seu musical, o badalo
e o berrar da criação;
seus amigos, animais.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

E quando eu falei de adjuntos,
ele disse: O que é isso?
São cinqüenta homens juntos
fazendo qualquer serviço;
almoçam pelo roçado,
contam casos do passado
para enrolar o patrão,
e cada um diz o que faz.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Falei da mulher que pisa
milho pra fazer almoço,
do menino sem camisa,
baladeira no pescoço;
do gafanhoto faminto,
do sofrimento do pinto
nas garras do gavião,
dos chãos cobertos de sais.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Eu falei da cantoria
do contador de viola
que mostra sabedoria
sem conteúdo de escola.
Falei da mulher rendeira,
da cigana rezadeira
que faz a sua oração
espantando o satanás.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Eu falei de serenata,
de reisado e pescaria,
do sertanejo que trata
toda mulher por Maria;
se for homem chama Zé,
gosta muito de café,
detesta fumo pagão,
só dá valor ao que faz.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Eu falei do pé-de-bode,
do reco-reco e pandeiro
com que se faz um pagode
no clarão do candeeiro;
rapaz exibindo nota
mas para pagar a cota
sempre surge confusão,
quando um não faz, outro faz.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Falei do campo e estepe
por onde passeia o gado,
do chiar do currulepe
do velhinho aposentado;
do triturar do mimoso,
de estórias de trancoso
nas debulhas de feijão,
do candeeiro de gás.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Falei da voz de comando
no grito do comboeiro,
dos animais repousando
na sombra do juazeiro.
Falei do caminho estreito,
do bodoque que é feito
de vara, cera e cordão,
torto na frente e atrás.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Falei do sol causticante
que atrasa a safra seguinte,
do caboclo ignorante
que se casa antes dos vinte.
Falei da rama madura,
do voar da tanajura
quando promete verão,
uma na frente, outra atrás.
-Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Falei da vaca velhaca
quando seu bezerro esconde,
o vaqueiro imita a vaca
para ver se ele responde.
Falei de doença e praga,
lagarta que mais estraga
a cultura do algodão,
das estradas carroçais.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Falei da força do açoite
que o vento bravo inicia,
do lençol preto da noite
cobrindo os olhos do dia.
Da mesinha de gaveta,
do matuto e o cometa
e a sua superstição,
do medo que a cobra faz.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Eu falei sobre a raposa
nas aspas de uma arataca,
do carcará que repousa
na cabeça de uma estaca.
Falei do milho amarelo,
depois fiz um paralelo
entre inverno e o verão,
que em duração são iguais.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Falei do sol que desbota
a folha do vegetal,
do bem-te-vi que pinota
nas clinas de um animal,
de farinhada e moagem,
de uma antiga carroagem
que tem o boi por tração,
boi na frente e carro atrás.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

Eu falei sobre o baralho
e o que suas cartas vogam,
da banca e do agasalho
onde quatro homens jogam;
a dama ganha dos seis,
valete perde pra o reis,
de tudo o sete é mandão,
onze pontos vale o ás.
- Ele disse: Fale mais
das coisinhas do sertão.

E disse ele: Eu não sabia
isto que você falou,
mas aprender eu queria
e tenso me perguntou:
Como aprendeu tudo isto?
Eu lhe respondi: Foi Cristo
que me deu inspiração.
E perguntou ele: Isto é arte?
- Eu disse: E também faz parte
das coisinhas do sertão.



Pedro Ernesto Filho
Enviado por Pedro Ernesto Filho em 16/07/2008
Alterado em 19/08/2008
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